A educação como prática de cuidado e a saúde integral como condição para a aprendizagem (Maio, 2025)

Em tempos nos quais a educação é desafiada por novas demandas cognitivas, emocionais e sociais, torna-se urgente recuperar a dimensão do cuidado como eixo estruturante da prática pedagógica. Cuidar, na perspectiva da Companhia de Jesus, não é apenas atender a uma necessidade pontual, mas comprometer-se com o crescimento integral do outro, reconhecendo-o como sujeito de direitos, desejos, histórias e potencialidades. 

Nesse horizonte, a missão educativa da Rede Jesuíta de Educação, inspirada pela espiritualidade inaciana, convoca-nos à Cura Personalis — o cuidado atento a cada pessoa em sua totalidade. A partir dessa premissa, a escola deixa de ser um espaço meramente instrucional para tornar-se lugar de vínculo, escuta e acolhimento. Educar é acompanhar trajetórias humanas, o que exige presença afetiva, sensibilidade ética e disponibilidade interior. 

Esse compromisso não é apenas ideal; materializa-se em documentos orientadores. As Preferências Apostólicas Universais (2019-2029), especialmente a que nos convida a “acompanhar os jovens na criação de um futuro esperançoso”, reforçam essa responsabilidade, que vai além da técnica e do conteúdo. Também a publicação da FLACSI, Educar para transformar (2016), afirma que a formação integral é inseparável do compromisso com a dignidade humana. 

Nesse contexto, somos convidados a olhar para além dos conteúdos e métodos e a perguntar: Como está o aluno que aprende? Que dores carrega? Que sentidos encontra na escola? O cuidado não se resume a ações pontuais, mas revela-se na cultura escolar, nas pequenas atitudes que comunicam: “Você importa”. O educador torna-se presença significativa, construtor de vínculos e inspirador de confiança — condição essencial para a aprendizagem verdadeira. 

Por isso, se não há aprendizagem sem presença, e não há presença sem bem-estar, então a saúde integral afirma-se como base do ato educativo. O aluno não é apenas uma mente em busca de conteúdos, mas um ser em desenvolvimento, atravessado por emoções, vínculos e histórias. Ensinar implica conhecer e cuidar desse sujeito em sua complexidade. 

Essa concepção dialoga diretamente com a definição da Organização Mundial da Saúde, que entende saúde como estado de completo bem-estar físico, mental e social — não apenas ausência de doenças. Esse olhar ressoa com a formação integral proposta pela pedagogia inaciana, que busca promover o desenvolvimento cognitivo, emocional, ético, espiritual e relacional. No cotidiano escolar, isso concretiza-se por meio de espaços que favoreçam o pertencimento e a construção de vínculos positivos com os saberes e com as pessoas. 

Nesse cenário, a Psicologia oferece importantes ferramentas. A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) ensina-nos que pensamentos e emoções influenciam diretamente os comportamentos — inclusive os escolares. Um aluno que acredita que “não é capaz” tende a evitar desafios e desengajar-se. Mas, quando encontra adultos que o escutam e oferecem estratégias de regulação emocional, pode reconstruir sua narrativa interna com mais confiança. 

A prática clínica e escolar confirma que as dores emocionais — ainda que silenciosas — afetam diretamente o processo de aprender: a ansiedade que paralisa, o medo de errar que bloqueia, a agitação que mascara a busca por conexão. E, ao mesmo tempo, revela-se o poder transformador de um olhar sensível, de uma escuta disponível, de um educador que acolhe com intenção e presença. 

Promover saúde na escola é, portanto, educar também para o silêncio interior, para o autoconhecimento, para o discernimento e para o cuidado de si. Quando a escola valoriza o tempo de qualidade, a escuta e a palavra que repara, torna-se lugar de reconstrução subjetiva — onde o aluno aprende conteúdos e aprende sobre si mesmo. 

Assumir o cuidado como prática educativa é compromisso ético com a formação humana. A escola que forma sujeitos plenos não pode negligenciar as dores, os silêncios e as potências que habitam cada estudante. Precisa ser espaço de vínculos restauradores e presença significativa. 

É nesse sentido que a espiritualidade inaciana nos inspira a formar pessoas conscientes, competentes, compassivas, criativas e comprometidas. E essa formação acontece na vida real — na escuta, na presença, no compromisso diário com cada história. Porque não há aprendizagem sem segurança emocional, e não há segurança sem vínculo. 

Que possamos, como comunidade educativa, responder ao chamado do cuidado com coragem e ternura — tornando a escola cada vez mais um espaço sagrado de humanização e esperança. 

Por Livia da Silva Moraes, Pedagoga, Psicóloga e Orientadora Educacional