
A história dos jogos esportivos no Colégio Anchieta (Julho/2023)

Os Jesuítas se instalaram em Nova Friburgo em 1886, atendendo a uma solicitação das elites da região serrana fluminense, em sua maioria agricultores e capitalistas da commodity do café. Em meados do século XIX, dois internatos de conceituados pedagogos como John Henry Freese e o Barão de Tauphoeus haviam se estabelecido nesta cidade serrana, mas encerraram suas atividades deixando um vazio na educação dos filhos das elites locais. A Companhia de Jesus alugou inicialmente o prédio onde funcionara um dos colégios, conhecido como château, dando ao educandário o nome de Colégio Anchieta, com regime de internato para meninos a partir de 7 anos. Internar para educar. A ideia de encerrar a juventude escolar em colégios-internatos, sob disciplina de caserna era uma prática pedagógica para obter melhor aproveitamento dos estudos. O Anchieta recebia internos não somente da região serrana fluminense, mas de todo o país, e alguns meninos de Estados distantes ficavam anos sem retornar ao seu lar passando as férias no colégio. Como além das aulas os estudantes permaneciam longas horas na sala de estudos, os padres Jesuítas se preocupavam em promover muitas horas de exercícios físicos e jogos recreativos, amenizando a austeridade dos estudos e restituindo-lhes a energia. No Anchieta, havia três recreios durante o dia.

Segundo os Jesuítas, os exercícios corporais e “jogos de movimento”, além do desenvolvimento físico que proporcionam ao corpo, fortalecendo-o, favorecia também a educação moral, proporcionando situações que envolviam decisão, caráter e disciplina. Os estudantes eram organizados em três divisões – maiores, médios e pequenos (e os recreios eram separados) –, cada uma possuindo o seu próprio pátio. Cada divisão possuía um Padre Prefeito, responsável em promover todas as espécies de jogos e atividades físicas nos recreios acompanhando as diretrizes das modernas associações ginásticas e esportivas. Realizavam pesquisas trazendo continuamente novidades de jogos na Europa, como o bette ou criqué, diabolo e o futebol, praticado pelos anchietanos, possivelmente, desde a fundação do educandário. Os antigos alunos formaram os primeiros times de futebol profissional em Nova Friburgo.

Para revigorar, virilizar e aguerrir o corpo eram proibidos jogos perigosos, mas os padres não se opunham aos jogos que exigiam demonstrações de coragem, como os jogos de guerra com pernas de pau ou com escudos, as corridas da barra bandeira e o futebol. Sempre com a obrigação de jogar para evitar o ócio, a moleza e o tédio no internato. No Manual da Corporação os Jesuítas reuniram e codificaram várias espécies de jogos, tornando-os um assunto profissional e objeto de estudo. Iniciada a construção do belíssimo prédio em estilo neoclássico, em 1902, as três divisões dos estudantes foram paulatinamente ocupando as novas instalações, notadamente os pátios de seus respectivos recreios que eram imensos em função dos jogos que praticavam e que exigiam muito espaço.

Os jogos eram divididos em certos, comuns, livres, solenes e extraordinários. Os jogos certos eram escolhidos pelos próprios estudantes no princípio da semana e os preferidos entre os mais fortes eram o bette, partida de quadrado (jogo de bola que usava força e destreza) e a barra francesa com prisioneiros. Entre os menos corpulentos, o jogo de malhas, croquet, bilros, ping-pong, peteca, chicote queimado e pião. Os jogos comuns eram reservados ao recreio mais prolongado e a esta categoria pertenciam a guerra com escudos, o caçador, barra bandeira, a barra geral com prisioneiros, as grandes corridas, o futebol, etc. Alguns jogos faziam uso da tática militar, a exemplo do jogo de barra bandeira, sendo a divisão repartida em dois campos, com um general em cada equipe, bem como um Estado Maior. Os jogos livres se realizavam quando havia falta de jogadores no recreio. Isto ocorria, por exemplo, na ocasião em que alguns estudantes eram dispensados para o ensaio da banda ou da orquestra. Pertenciam a esta categoria as corridas de bicicleta, corrida de carrinhos, o jogo do diabolo, do bilboquet, apostas de corrida, salto de altura, salto de extensão, passo de gigante etc.

Havia o curioso jogo da guerra, na Europa designado de pugnaspiel, praticado pela divisão dos menores. De um lado, Roma, e de outro, Cartago. Precedidos por cornetas e tambores, os meninos soldados entravam de forma triunfal no pátio do recreio com seus escudos, em atitude de guerreiros. Numa admirável elasticidade, as manobras consistiam em abaixarem-se, levantarem-se, contraírem-se, encolherem-se, escudarem-se, atacarem e defenderem. Bolas feitas de pano enchiam o espaço golpeando os escudos que tiniam pelo impacto. Os estudantes confeccionavam as bolas com camisas, meias e ceroulas velhas que serviam de munição no combate. Os “mortos” na batalha eram recolhidos no quartel dos inválidos.

Os jogos solenes ocorriam na festa de aniversário do Padre Reitor, na visita de um eclesiástico da cúpula da Igreja ou nas festas cívicas. O entusiasmo dos estudantes era maior em razão do público que assistia aos jogos, como os familiares e convidados. Os jogos solenes exigiam audácia e destreza, cuja habilidade era reconhecida pelos aplausos do público. Eram jogos de batalhas que envolviam grande número de combatentes, como o jogo do rei, cuja competição envolvia estratégia militar. Tratava-se de uma batalha em que se enfrentavam dois exércitos, cada um composto de um rei, um marechal, um general e um número igual de soldados dispostos por ordem de valentia e capacidade. Já no mês de agosto, ocorriam os jogos extraordinários ou jogos olímpicos. Neles ocorriam exercícios atléticos e desportivos como corrida de velocidade, corrida de costas, corrida de velocidade com obstáculos, corrida de resistência (do colégio até o vale do Morro Queimado); pulo com impulso, pulo de extensão com corrida de impulso e sem impulso, pulo de altura com e sem impulso, pulo com trampolim, pulo de pés juntos, salto com vara, shoots, quadrado, bette, flexões em barra fixa, lançamento de dardos e discos, barrinha, barra bandeira, tiro ao alvo e partida de futebol.

Os jogos olímpicos eram intercalados por diversões cômicas e burlescas, como corrida de um pé ou de pé coxinho, corrida com os pés amarrados, corrida dos cegos, corrida com saco de batatas, corrida com uma vela acesa, corrida com um ovo numa colher, passagem por um saco sem fundo (o túnel), luta com travesseiros, luta de corda, tostão n’água, comer linha, entre outros. Havia o jogo de quebrar botijas de cerâmica que balançavam ao sopro da brisa penduradas em uma trave. O esportista com os olhos vendados portava em uma das mãos um varapau tentando acertá-las. Para alegrar os jogos solenes e olímpicos participava a banda colegial. Entremeando várias partes do programa desportivo executava peças de seu repertório, despertando nos atletas não só a animação como a alacridade. Ao final, recebiam prêmios, medalhas e um diploma de mérito esportivo. Os estudantes eram regalados com suculentas balas, cerveja feita pelos Irmãos Coadjutores e um cálice de licor, este último para revigorar as forças. Os Jesuítas acreditavam que nestes exercícios os estudantes hauriam novas forças para o estudo, porque em um corpo exercitado e ágil, melhor se expande a alma, conforme o adágio Mens Sana in Corpore Sano.
Por Janaína Botelho – Historiadora