A importância da Filosofia para o pensamento crítico (Maio/2024)
A Filosofia surgiu a partir do espanto. Os antigos gregos estavam acostumados há milhares de anos com os seus mitos e símbolos. Os deuses do Olimpo, que vez ou outra interviam em negócios humanos, as almas que partiam para o Hades, bem como os rituais religiosos e os sacrifícios eram lugares comuns na vida dos homens na Grécia Clássica. Até a chegada de Sócrates. Filho de uma parteira com um escultor, Sócrates retirava os homens das trevas para a luz, enquanto os esculpia em busca da verdade. Ele foi a pessoa responsável por espantar os gregos com indagações, perguntas sobre a beleza, o bem, a verdade e as virtudes fundamentais. Esse método de investigar, instigar e espantar os homens na Grécia antiga ficou conhecido como maiêutica e formou a base de toda e qualquer busca pela verdade, até aquelas mais intrincadas e labirínticas, como a política e a sociedade de seu tempo.
A política e a organização da cidade não eram exatamente uma novidade na Grécia Antiga, sobretudo em Atenas. Mesmo que cidades como Esparta criassem formas políticas mais fechadas, nas cidades de tipo ateniense, a política era feita na Ágora, a praça da cidade. Nesse espaço, havia um fluxo enorme de mercadorias, pessoas e decisões públicas. Homens acima dos 21 anos, proprietários de terras, eram responsáveis por, na Ágora, deliberar sobre a vida na cidade. A grande novidade, inaugurada por Sócrates, foram as perguntas do tipo: “O que é política?”, “O que são as virtudes?”, “Qual é o sentido da vida?”, que por si só se constituem numa visão crítica da realidade. A partir de suas indagações racionais, a filosofia se constitui numa força na qual o pensamento sobre todas as coisas pode se manifestar. Não mais agarrado às certezas dos mitos e dos símbolos, os filósofos puderam se libertar da estreiteza da própria cultura para criticar num horizonte bem maior os elementos que formam a sociedade e como o gerenciamento do poder deve ser realizado para o bem de todos. Porém, a beleza desse horizonte se manifesta na pluralidade de opiniões sobre esse mesmo conceito.
Para Platão, a organização da sociedade só era possível sob o comando de um Rei-Filósofo, com vários subordinados, como guerreiros e produtores, que seriam gerenciados, numa “pólis ideal”, de acordo com as qualidades da alma. Para Aristóteles, a política é a arte de organizar o bem comum, o bem de todos. Afinal, para ele, “o homem é um animal político”. Para os medievais, como Agostinho de Hipona ou Santo Tomás de Aquino, um rei com várias virtudes e qualidades deve ser o guia de todos que habitam as cidades. Na Filosofia moderna, um giro sobre a posição de poder do Príncipe aconteceu por meio das teorias de Nicolau Maquiavel. Ele colocou a política como a arte de tomar o poder e conservá-lo. O príncipe deveria conservar a fortuna e ter “virtù”, a sagacidade de continuar governando, pois “Os fins justificam os meios”. Além dele, outros gigantes do pensamento político também manifestaram suas visões sobre o poder: Thomas Hobbes, Rousseau, John Locke, Karl Marx, Hannah Arendt e tantos outros lançaram luzes sobre a questão. O ensino dessa miríade de reflexões cria uma abertura no estudante para o senso crítico.
A Filosofia enquanto a “opinião dos sábios”, faz um contraponto ao senso comum e observar o grande debate entre os filósofos produz uma mudança significativa na relação com o tema da política. Acostumados à polarização, à “briga entre lados opostos”, a opinião pública incita o ódio, a falta de comunicação e o ressentimento entre aqueles que possuem visões políticas e sociais diferentes. A filosofia, no entanto, tem a capacidade de abrir tanto a inteligência quanto o coração do homem para entender não só suas próprias convicções, mas também a perspectiva, o olhar do outro, algo valioso e raro na atual conjuntura de nosso país. A filosofia, portanto, se constitui na melhor forma de lapidar a visão de mundo para algo mais crítico e profundo. Enquanto o homem colocar sua atenção na indústria cultural, na opinião pública, no fluxo incessante de notícias nas redes sociais e numa vida regada ao entretenimento vazio, o homem estará preso em diversos labirintos. Mas se o interesse às questões filosóficas brotar, através de um espanto, a porta da Filosofia, mesmo estreita, se abrirá.
Por Mateus Barradas, Professor de História e Filosofia