A transitoriedade da vida e seu poder transformador (Fevereiro/2023)
Nesta breve produção textual, desejo compartilhar com vocês um dos textos mais lindos e tocantes que conheço, escrito pelo pai da psicanálise, Sigmund Freud. O autor possui uma obra extensa em que aborda diversos aspectos da subjetividade humana, mas escolhi um texto de apenas seis páginas que, mesmo sendo pequeno, torna-se grande devido à sua delicadeza, poesia e profundidade. Trata-se de um artigo intitulado “A transitoriedade” escrito em 1915 em pleno contexto da 1ª Grande Guerra Mundial e publicado em 1916.
Freud descreve um passeio pelo campo na companhia de um jovem poeta: “não faz muito tempo, empreendi, num dia de verão, uma caminhada através de campos sorridentes na companhia de um amigo taciturno e de um poeta jovem, mas já famoso. O poeta admirava a beleza do cenário à nossa volta, mas não extraía disso qualquer alegria. Perturbava-o o pensamento de que toda aquela beleza estava fadada à extinção, de que desapareceria quando sobreviesse o inverno, como toda a beleza humana e toda a beleza e esplendor que os homens criaram ou poderão criar. Tudo aquilo que, em outra circunstância, ele teria amado e admirado, pareceu-lhe despojado de seu valor por estar fadado à transitoriedade (p.248)”.
Freud observou que, mesmo diante de tamanha beleza, o amigo se entristecera ao se dar conta de que, em breve, no inverno, nada daquilo existiria mais. Ele se angustiou com a beleza fugaz, efêmera e finita das coisas. Ele não conseguiu se alegrar com algo fadado ao fim. Este sentimento pessimista do jovem poeta serve de exemplo para pensarmos sobre a nossa vida e sobre a nossa própria condição humana da qual, diferentemente dos demais animais, temos consciência da finitude. Nós, animais racionais, sabemos que nós mesmos e todos que amamos vamos morrer um dia. Sabemos também que, apesar do aumento da expectativa de vida em nosso país, nossa jornada aqui neste mundo é breve e passageira.
Confesso que ao ler o relato de Freud sobre o mal estar de seu amigo poeta, também me angustiei com o fato de pensar que tudo acaba um dia e entrar em contato com o tema da finitude pode gerar incômodo, tristeza, sofrimento e dor emocional. Mas, qual seria a saída para essa dura realidade? Nos alienamos e entrarmos no modo “fuga” ao ignorarmos o assunto? Devemos fingir que a morte não existe e nunca vai se aproximar da nossa vida? Bem, sei que essas questões são difíceis, mas ainda assim proponho uma reflexão consistente, responsável e ao mesmo tempo leve sobre o assunto. E ninguém melhor do que o pai da psicanálise para nos ajudar a sair dessa emboscada.
Freud contestou a visão pessimista de seu amigo e frisou que a transitoriedade do belo não deveria resultar em sua desvalorização. Muito pelo contrário, significa maior valorização! Em suas palavras: “valor de transitoriedade é valor de raridade no tempo. A limitação da possibilidade da fruição aumenta a sua preciosidade” (p.249). Freud observa que a primavera retorna sempre, apontando para o tempo circular e eterno da natureza, diverso do humano, linear e finito. A preciosidade da vida e da beleza, diz Freud, repousa em sua fugacidade. “Se existir uma flor que floresça apenas uma noite, ela não nos parecerá menos formosa por isso (p.249)”.
Cabe ressaltar que este diálogo entre Freud e o jovem poeta se deu em um contexto de Guerra, contexto esse que implica em muitos tipos de perdas: perdemos a nossa referência territorial e geográfica, perdemos pessoas queridas e sobretudo, perdemos a fé e esperança na vida em sociedade. Contudo, ainda assim, Freud acredita que ao reconhecermos e considerarmos que tudo é finito, ao invés de nos entristecermos, podemos desfrutar cada momento da vida, podemos nos alegrar com cada conquista – por menor que possa parecer -, podemos nos encantar com um dia de sol, com uma flor que brota, com um simples sorriso de uma criança, com um abraço de uma pessoa que amamos, com os encontros que a vida nos proporciona. A ideia de refletirmos sobre a transitoriedade da vida, nos faz valorizar cada segundo e cada respirar. Pensar sobre a finitude pode ser um convite à emergência das coisas que realmente são importantes enquanto passamos por essa breve estadia neste planeta chamado Terra.
E você? Como você tem lidado com o tempo que lhe foi presenteado a cada manhã? Você vive se lamentando pelo o que não tem, pelas preocupações? Você usa o tempo brigando com aqueles que mais te amam? Fica aqui o convite para essa reflexão. Pensar na própria condição enquanto seres finitos, é pensar na qualidade do nosso tempo. O tempo está passando e já passou enquanto você leu esse pequeno texto sobre a vida. Fica aqui uma dica: desfrute-a da melhor maneira possível! Agradeça pela oportunidade de cada dia vivido e alegre-se com as pequenas coisas. Observe a beleza da vida em seus detalhes. Sempre temos motivos para contemplar a beleza da existência e ela não deixa de ser encantadora, apesar de sua brevidade.
Por Karla de Souza Magalhães, Psicóloga e doutoranda em Saúde Coletiva pela UFRJ. Idealizadora do projeto social Tempo Rei – @rei.tempo
Referência
FREUD, Sigmund. A transitoriedade [1916] In: Obras completas. Tradução e notas de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. v.12.