As outras independências indispensáveis ao Brasil (Outubro/2022)

Nós, os brasileiros, somos como Robinsos :

estamos sempre à espera do navio

que nos venha buscar da ilha

a que um naufrágio nos atirou.

Lima Barreto, “Transatlantismo”, Careta

O Brasil conquistou, de fato, e, de direito, a sua Independência política em 7 de setembro de 1822. A partir de então, os avanços e/ou retrocessos em todos os campos devem ser creditados à sociedade brasileira. O resultado do que somos enquanto nação é responsabilidade de cada um dos brasileiros. O destino e a história do país encontram-se em nossas mãos, mentes, corações e ações. Não cabe mais culpabilizar o outro, aquele que é de fora, para as várias demandas sociais, políticas, econômicas, ambientais e culturais  presentes desde a colonização e  persistem  na sociedade brasileira do século XXI.

            Para além do debate historiográfico, importante e necessário sobre os limites da Independência , o presente texto pretende evidenciar o contexto do Brasil no século XXI, a partir da seguinte indagação: Quais independências temos que conquistar? O que, consequentemente, nos indica como desdobramento outra pergunta: Por que não as conquistamos?

            A princípio, tomemos a ideia de Cidadania. A Cidadania brasileira, como nos diz Renato Janine Ribeiro é “capenga”, visto que é incompleta para a maior parte da população do país. Os descalabros sociais são de todos conhecidos,por isso é desnecessário ser repetitivo.Temos que ampliar o porquê ainda possuímos uma cidadania incompleta que perdura, perpassando períodos históricos e governos das mais variadas matizes ideológicas e temporalidades. 

            A nossa Cidadania não é plena e não se materializa em qualidade de vida e direitos, pois há razões fortes e manipuladoras das classes dirigentes brasileiras em perpetuar um modelo e controle de Estado que, por sua vez, reproduz e retroalimenta a vã esperança de transformação social e/ou de conquistas que possam elevar a situação social da maioria da sociedade. Nesse aspecto, tenho uma hipótese que venho desenvolvendo ultimamente e que divido com o prezado leitor.

            Recorro a Max Weber (1864-1920), sociólogo alemão, que apresenta o conceito de patrimonialismo. Weber aponta a ideia da importância do lugar individual que se sobrepõe aos interesses das questões comuns e públicas.  O patrimonialismo dificulta a noção da esfera pública e da esfera privada. Portanto, não há a devida distinção entre os interesses públicos e privados. O Estado brasileiro é patrimonialista!

Autores da sociologia, da história, da antropologia e da literatura já apontaram essa evidência na formação do Estado brasileiro.  Por consequência disso, resulta-se uma relação contaminada entre a sociedade e o Estado. Tal relação nos ajuda a compreender os males e as chagas das mais insistentes como a corrupção, o mandonismo, o autoritarismo, o compadrio, o fisiologismo e o clientelismo. Identifico tais enfermidades por conta da inescapável configuração do Estado patrimonialista brasileiro.

Os políticos populistas e neopopulistas reforçaram a estrutura desse Estado patrimonialista. Historicamente, compreendo os políticos populistas como aqueles que antecederam a Ditadura civil-militar de 64 e os neopopulistas como os políticos da última redemocratização brasileira da década de 80. Em comum, as lideranças populistas e neopopulistas atuam no sentido de explorar o imaginário e a fantasia do povo. Sensibilizando o eleitor ao dizer o que ele precisa e deseja ouvir para se sentir contemplado, e isso independe da pauta a ser dialogada. Os neopopulistas expressam, então, as temáticas das mais variadas-dos benefícios sociais temporários e eleitoreiros às questões dos direitos civis. Nada escapa para se vislumbrar o eleitor que é ávido por mudanças e é esperançoso nas “novas” ou “antigas” lideranças políticas e acolhe tais promessas com a quase certeza de que tudo será diferente em novo governo. O resultado todos conhecemos. Um círculo vicioso de denúncias de corrupção, clientelismo e outros desmandos nada republicanos.

Logo, as independências que precisamos passa necessariamente e indubitavelmente pelo Cidadão que deve assumir a sua responsabilidade nas opções políticas que faz. Compreendo que devemos superar essa fase paternalista de “proteção” do eleitor. Por outro lado, a classe dirigente brasileira deve fazer uma autocrítica sobre os caminhos e os descaminhos pelos quais tem feito o percurso histórico do país.

            Entre o passado e o futuro, esquecemos ou negligenciamos, enquanto nação, sociedade e cidadão, o presente. Nesses 200 anos de Independência, não é o momento de ufanismo, nem de heróis e muito menos de oportunismo político.  Porém, é um momento para a reflexão política das inúmeras inquietações que nos assombram, e que de forma dialógica e democrática possamos construir, solidariamente e humanamente, as “independências” merecidas.

Por Orlnando Amendola, professor de Estudos Sociais