Caneta para quadro branco (Dezembro/2023)

Se um médico cirurgião do século XIX com um bisturi em suas mãos de repente fosse sugado por uma máquina do tempo e fosse levado para o século XXI, e entrasse de súbito numa sala de cirurgia, certamente ele não saberia o que fazer, nem faria ideia de onde estaria naquele momento. Afinal, há um enorme abismo técnico entre a forma pela qual os cirurgiões do século XIX executavam seus trabalhos e como os médicos no mundo atual o fazem. 

Se essa mesma cena acontecesse com um professor com sua “caneta para quadro branco” em mãos o final seria diferente do antecessor. Eu tenho certeza que ele entraria na sala de aula e saberia exatamente como executar o seu trabalho e estaria completamente familiarizado com o ambiente: alunos enfileirados, cadeiras individuais, um quadro à frente, uniformização, padronização, e a busca pela ordem e o silêncio. 

Quando pensamos em educação e tecnologia, na verdade pensamos em como adequar a arquitetura da sala de aula para os novos tempos. As demandas do mundo pós moderno são bem diferentes daquelas exigidas na modernidade: não buscamos mais informações, mas atividades práticas, não buscamos mais desenvolver conteúdos, mas habilidades e competências, não queremos mais a padronização, mas recrutamos as habilidades socioemocionais como força motriz para as novas profissões. 

A tecnologia pode ser a chave para revolucionarmos o processo de ensino-aprendizagem em todos os níveis. Aulas gravadas podem ser assistidas em casa para o professor ter tempo de fazer uma discussão em sala (sala de aula invertida), os computadores podem ser acessados em grupos em cada etapa do processo de aprendizagem (sistema de rotações), a utilização de plataformas de jogos podem ser usadas em sala para estimular o binômio cooperação/competição (gamificação) e com as informações geradas em atividades digitais podem ser computadas e encaminhadas para a demanda de cada estudante (bigdata voltada ao processo pedagógico). 

Refletir sobre a pedagogia, a meu ver, é pensar na arquitetura da sala de aula, o que muitas vezes é erroneamente negligenciado. Partindo de uma perspectiva Foucaultiana que observa que a sala de aula não foi construído como um “espaço de aprendizagem”, mas como uma estrutura de poder, os avanços da pedagogia devem ser como armas apontadas para uma desconstrução da “sala de aula” e sua topografia. Pensar a relação pedagogia e tecnologia, é ter a oportunidade de descontruir a sala de aula do século XIX que ainda persiste e construir uma sala de aula plural, que usa de forma saudável os objetos técnicos, que o professor é um co-participante da aprendizagem e não o detentor do saber, do vigiar e do punir. 

Por Matheus Barradas, Professor do Ensino Médio.