COP-28: Quais os cuidados com a Casa Comum? (Janeiro/2024)

O ano de 2023 termina com uma marca nada agradável: entrou para a história como o ano mais quente já registrado (até agora). Dados do observatório climático europeu mostram que o mês de outubro deste ano foi 1,7°C mais quente que a média mundial para os meses de outubro entre 1850 e 19001. No Brasil, as altas temperaturas também marcaram presença. Entre julho e outubro a temperatura média no país esteve 1°C acima do normal, batendo recordes de temperatura média durante quatro meses seguidos2. Em Nova Friburgo, cidade conhecida pela amenidade climática típica das regiões serranas, os termômetros chegaram a marcar 27°C no período da noite. O calor incomum gerou uma busca sem precedentes por ventiladores e ar-condicionado, fazendo as mercadorias sumirem das prateleiras. Muitas foram as lojas da cidade que instalaram placas na porta informando ao cliente: Acabaram os ventiladores!

A experiência do calor extremo e a sucessiva quebra de recordes de temperatura apontam para o fato de que o abismo climático se aproxima cada vez mais rápido, o que impõe desafios urgentes à sociedade humana. Ante o caos ambiental que se anuncia, o pensamento eco cristão do Papa Francisco, expresso de forma clara na carta encíclica Laudato Si’ (2015), surge como uma luz corajosa contra a indiferença dos poderosos e em defesa dos vulneráveis às mudanças climáticas. Inspirado no exemplo de São Francisco de Assis – quem, em cântico, agradece à Deus “pela nossa irmã, a mãe terra, que nos sustenta e governa” – o Santo Padre Francisco exorta todas as pessoas de boa vontade a comporem um renovado movimento ecológico amparado na conscientização social e espiritual acerca da emergência da crise climática e convoca a humanidade para refletir acerca dos cuidados com o planeta Terra, a nossa Casa Comum.

No texto, Francisco critica o poder imensurável e irrefletido que a tecnologia adquiriu na era moderna, sem deixar de considerar os ganhos advindos das revoluções industriais. O problema, de acordo com o Papa, não é a tecnologia em si, mas o fato de que “o crescimento tecnológico não foi acompanhado por um desenvolvimento do ser humano quanto à responsabilidade, aos valores, à consciência”3. Nesse “paradigma tecnocrático”4 vivido pela sociedade atual, na qual a razão técnica afasta os seres humanos da natureza, o desenvolvimento tecnológico se restringiu a garantir a ampliação do lucro de poucos em detrimento da promoção do bem comum.

Os esforços para sairmos dessa “espiral de autodestruição”5 em que a humanidade se encontra passa impreterivelmente pelo exercício do diálogo, do que decorre a importância fundamental da política no enfrentamento às questões climáticas. Ciente de que somente as “grandes decisões da política nacional e internacional”6 podem produzir soluções eficazes, o Papa Francisco voltou a chamar a atenção do mundo com a publicação da Exortação Apostólica Laudate Deum (2023), onde expôs suas preocupações e expectativas sobre a 28° edição da Conferência das Partes (COP, sigla em inglês), ocorrida entre os dias 30 de novembro e 12 de dezembro de 2023 em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.

A COP é um evento anual promovido desde 1995 pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (UNFCCC, sigla em inglês) no qual se reúnem governos do mundo inteiro e membros da sociedade civil para discutir os rumos das mudanças ambientais. A principal expectativa de Francisco era que a COP-28 representasse a aceleração da transição energética, ou seja, que os países se comprometessem em alterar suas matrizes energéticas no sentido de diminuir o uso de combustíveis fósseis.

De fato, a questão da transição energética dominou as discussões durante o encontro, mas os países membros não chegaram a um consenso7. O relatório final da COP-28, fruto de um acordo negociado entre 195 países, sugere que a transição energética mundial seja realizada até 2050; além de propor que a capacidade das energias renováveis seja triplicada até 2030. Várias delegações, no entanto, consideraram que a simples recomendação constitui uma mensagem fraca diante da urgência da crise climática e exigiam que o texto mencionasse explicitamente o fim da exploração dos combustíveis fósseis, o que na visão de muitos ambientalistas é a única estratégia viável para frear o aquecimento global.

Terminada mais uma COP, fica a sensação de que a política ambiental internacional avança a passos lentos face ao veloz consumo dos recursos naturais do planeta. Diante disso, é necessário não deixar de ouvir a voz dos indígenas, ribeirinhos, pequenos agricultores, camponeses, habitantes das periferias das megacidades do planeta, àqueles que entendem a urgência do combate à crise climática em seu cotidiano. São esses, os vulneráveis, a quem o Papa Francisco soma a sua voz para clamar por justiça socioambiental.

Por Gabriel Silva de Araujo Teixeira, Professor de Geografia

1 G1. 2023 deve ser o ano mais quente em 125 mil anos, diz observatório europeu. Disponível em: https://g1.globo.com/meio-ambiente/noticia/2023/11/08/2023-deve-ser-o-ano-mais-quente-dos-ultimos-125-mil-anos-dizem-cientistas.ghtml 2 AGÊNCIA BRASIL. Brasil registra recorde da temperatura média pelo quarto mês seguido. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2023-11/brasil-registra-recorde-da-temperatura-media-pelo-quarto-mes-seguido 3 PAPA FRANCISCO. Laudato Si’ – Sobre o cuidado da casa comum. São Paulo: Paulus, 2019. 4 Ibidem 5 Ibidem 6 PAPA FRANCISCO. Exortação Apostólica Laudate Deum – sobre a crise climática. São Paulo: Edições Loyola, 2023. 7 ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS. Final da COP-28: recomendação da intensificação da transição energética. Disponível em: https://www.abc.org.br/2023/12/14/final-da-cop-28-recomendacao-da-intensificacao-da-transicao-energetica/