Da fonte ao mar, Bíblia, Palavra peregrina, companheira da vida (Outubro/2022)

Vivo nas montanhas onde nascem as fontes, onde a água sussurra segredos. Testemunho a nascitura dos rios, ouço, timidamente, seu canto enquanto corre. Vivo nas montanhas e, embora daqui não veja o mar, sei que é para ele que todas as fontes e rios se entregam. O mar é o futuro da fonte! Mas como pensar no futuro se ele é somente uma promessa? Aonde buscar seus sinais para que a nascente possa crer?

A Bíblia é Palavra viva na própria vida do povo. Povo que se forma da terra na crença em torno dessa Palavra que é fonte de água viva. Água,princípio de vida; terra, princípio do homem. Estranha mistura que do húmus faz humanidade, palavra dita e feita!

A água que desce dos mananciais tem sede de infinito, tem sede de ser. Assim é a Bíblia, Palavra-fonte que nasce nas profundezas, pequena e quieta, vence a rocha e se lança no caminho como Palavra peregrina em busca do coração. Palavra-fonte é aquela que dormiu no centro da terra, acordou e ousou peregrinar. E peregrinou pela história, venceu o tempo, remoçou como fonte eterna de juventude.

Mas a Bíblia é também Palavra-rio que ganha um corpo caudaloso, que fala pela boca das criaturas que o habitam e que alimenta quem vive as suas margens. Palavra-rio é aquela que revela, que manifesta, que banhando o corpo purifica a alma. Como Palavra-rio, a Bíblia acompanha as gentes, nutri as comunidades, faz-se presença no meio: Deus no meio de nós! Bíblia, Palavra-rio, corredeira de infinito, na qual nos alimentamos, nos banhamos e nos movemos.

Por fim, a Bíblia é também Palavra-mar: profunda, imensa e generosa. Mar que oxigena a terra, mais que as florestas. Mar que convida, encanta, envolve, alimenta e amplia o olhar. Experiência de silêncio e profundidade, mergulho no âmago. Mar que é mistério, porque tudo é mistério. Mar que Jesus acalmou, por onde andou, e onde descansou junto aos amigos. Mar onde Jesus revelou-se Cristo. Como Palavra-mar ela é plenitude!

Na fonte dos pais da fé e dos profetas, nos rios dos apóstolos e seguidores, no mar que é o próprio Cristo, somos todos humanidade em busca da Palavra que salva o futuro. E salva, porque as comunidades que formamos têm a forte convicção de que a fonte, o rio e o mar são presença. Mais que força e anunciadores de certezas, são comunicadores de vida, daí a importância de uma Palavra viva na vida dessas comunidades, na vida do povo pobre e sofredor, na vida dos cristãos que, por acreditar, constroem o futuro.

Na esteira da Pedagogia Inaciana, nossas Unidades Educativas assumem, em seus projetos, fazer a Palavra fonte-rio-mar chegar a todos, como ponte de acesso a um novo mundo, onde todas as sedes, mas principalmente as dos mais pobres e desvalidos são saciadas. Onde se valoriza e se defende o direito de buscar as fontes, de preservar os rios e proteger o mar. Isso se faz na promoção de uma educação integral cujo  fundamento é o próprio Evangelho, portanto, uma educação comprometida com a Palavra salvífica que o Cristo veio realizar: “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10).

Enquanto o futuro é promessa, a Palavra de Deus é presença, mas reclama o encontro. Papa Francisco (2020), em sua Carta Apostólica Scripturae Sacrae Affectus, chama a atenção para a falta de habilidades hermenêuticas capazes de nos tornar intérpretes e tradutores de nossa própria tradição cultural e dirigindo-se aos jovens, diz:

De forma especial aos jovens, quero lançar um desafio: parti à procura da vossa herança. O cristianismo torna-vos herdeiros dum patrimônio cultural insuperável, do qual deveis tomar posse. Apaixonai-vos por esta história, que é vossa.

Como escolas da Rede Jesuíta de Educação Básica, buscamos as fontes, os rios, o mar. Constituímos uma rede que se lança na missão de oferecer aos pobres, aos jovens, e a nós mesmos, um futuro esperançoso, construído pela força da Palavra que é história de vida, que anima, compromete e realiza, que nos faz peregrinos como Santo Inácio e seus companheiros para a ajudar as almas.

Desse modo, ancorados na espiritualidade inaciana, somos então convidados a conhecer e ensinar a conhecer o sussurro das fontes, a cantata dos rios e a sinfonia do mar.

Somos peregrinos da esperança em busca do novo céu e nova terra (Ap. 21,1). Buscamos a rocha-fonte, o caminho-rio e a imensidão-mar. Essa é a nossa essência: viver de encontros e de palavra. Encontrar as fontes, seguir os rios e alcançar o mar do Amor de Deus, sempre inesgotável mistério.

Angélica Engel, Coordenadora da Formação Cristã