Desconexão Verde: o Impacto do Transtorno de Déficit de Natureza na Vida Urbana (Dezembro/2024)
O transtorno do déficit de natureza é um conceito introduzido por Richard Louv em seu livro Last Child in the Woods (2005), referindo-se à desconexão entre crianças e jovens e o ambiente natural. Esse distanciamento pode levar a consequências negativas para a saúde física, mental e emocional, como aumento da ansiedade, déficit de atenção e até obesidade. Com a crescente urbanização e digitalização da sociedade, o contato com a natureza tem se tornado cada vez mais raro, o que potencializa os efeitos desse “déficit”.
É importante esclarecer que não se trata de um termo médico, mas é uma forma eficaz de chamar a atenção para uma questão importante que causa distúrbios tanto físicos – como falta de movimento, obesidade e miopia – quanto mentais – como estresse e ansiedade – e comportamentais – como dificuldades de sono e hiperatividade – que podem ser facilmente observados por profissionais de educação e saúde.
De acordo com Pe. Josafá Siqueira (2019) no livro intitulado Inteligência Verde, ao acolhermos a inteligência verde como uma forma distinta de inteligência, estamos admitindo que tudo que foi criado e evoluído não é fruto apenas do acaso e da necessidade, mas da expressão de uma inteligência maior que permitiu a inteligibilidade em diversas formas de vida dentro de padrões evolutivos distintos. Se o Criador ama todos os seres (Sab. 11,24) e fez uma aliança com todos os seres vivos (Gn. 9,16-17), isso significa que Ele dotou a todos de formas diferentes de inteligência.
É preciso apropriar-se desta inteligência verde e verdejar os ambientes, intensificando o contato com a natureza como forma de refrear esse “transtorno”. A inclusão de áreas verdes em cidades, escolas e locais de trabalho promove benefícios diretos, como a melhoria da qualidade do ar, a redução da poluição sonora e a regulação da temperatura. Além disso, estudos mostram que a presença de elementos naturais ajuda na redução do estresse, no aumento da criatividade e no estímulo à cognição, especialmente em crianças.
Verdejar os ambientes não se limita apenas à inclusão de árvores e jardins, mas também ao incentivo de planejamentos que integrem o ser humano ao meio ambiente de forma equilibrada e acessível, como a promoção de atividades ao ar livre, caminhadas em trilhas ecológicas, a implementação de hortas escolares e comunitárias, e aulas em ambientes abertos com intencionalidades definidas, consonantes com um educar para a cidadania planetária. Como dizia Émile Durkheim, educar não seria apenas a transmissão da cultura de uma geração para a outra, mas a grande viagem de cada indivíduo em seu universo interior e no universo que o cerca. Portanto, verdejar os ambientes pode resgatar tais universos na conexão homem-natureza, trazendo bem-estar e qualidade de vida às pessoas, fortalecendo cada vez mais o bem comum.
O acesso à natureza é um direito fundamental no Brasil, reconhecido pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225, que diz que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
Assim, fomentar a integração com a natureza, especialmente em áreas urbanas, é uma estratégia essencial para combater os efeitos do transtorno do déficit de natureza e promover o equilíbrio entre o progresso humano e o meio ambiente, desenvolvendo benefícios como empatia, cooperação e senso de pertencimento à Teia da Vida, diante da ligação inegável entre meio ambiente, saúde e qualidade de vida.
Verdejar os ambientes, aproximando crianças e jovens da natureza, representa possibilidades para aprendizagens mais refrativas no que diz respeito a experienciar, refletir e agir, promovendo um desenvolvimento mais integral, significativo e repleto de sentido, formando indivíduos sensíveis para ouvir o Grito da Terra e discernir sobre o cuidado com a Criação.
Por Elaine Machado da Silva Guaralde, Professora e Coordenadora de Cidadania Global