
Lógica de Programação e Pensamento Humano: Uma Interseção entre Curvas
Quero começar este texto propondo um exercício mental: a criação de um gráfico que represente a evolução do pensamento humano e da lógica, em paralelo à evolução da lógica de programação utilizada pelos primeiros computadores até os dias de hoje, com o avanço da Inteligência Artificial (IA) e o surgimento dos computadores quânticos.
Vamos imaginar um plano cartesiano no qual o eixo vertical representa um espectro de complexidade, colocando o pensamento humano acima da lógica de programação. No eixo horizontal, temos a evolução ao longo do tempo. Agora, imagine uma curva decrescente, partindo do ponto mais alto do eixo vertical, representando o ápice do pensamento humano e suas implicações nas relações e comportamentos. Paralelamente, visualize uma curva ascendente, partindo da base do eixo, simbolizando o desenvolvimento das primeiras linguagens de programação e a evolução dos computadores. Em algum momento, essas curvas se encontrarão, formando um ponto de interseção. Esse é o cerne da nossa reflexão.
Para começar, é importante compreender que os primeiros computadores utilizavam a linguagem binária (0 e 1) para processar informações e executar tarefas, baseando-se nos valores lógicos Verdadeiro (1) e Falso (0). Esse modelo segue a lógica clássica booleana, que opera sob o princípio do terceiro excluído: ou algo é verdadeiro ou é falso, sem meio-termo.
Essa abordagem, no entanto, se distancia do pensamento humano, pois nossa mente frequentemente lida com incerteza, ambiguidades e subjetividade. Enquanto a lógica clássica exige afirmações absolutas, o pensamento humano é capaz de operar com probabilidades e contradições sem comprometer a coerência.
Por exemplo, uma pessoa pode afirmar: “Tenho medo de mudanças, mas, ao mesmo tempo, anseio por novidades”. Embora essa declaração pareça contraditória sob a ótica da lógica clássica, ela reflete a complexidade emocional humana, onde sentimentos e pensamentos podem coexistir de maneira dinâmica e contextual.
Com o avanço das tecnologias, as linguagens de programação e os sistemas computacionais evoluíram para se aproximar mais do pensamento humano. Um exemplo disso é a lógica fuzzy, amplamente utilizada em sistemas de inteligência artificial que abrangem desde o controle de tráfego e eletrodomésticos inteligentes até automação industrial e sistemas autônomos. A lógica fuzzy permite lidar com incerteza e graduações de verdade, ao contrário da lógica clássica, que exige apenas valores absolutos.
Enquanto a lógica binária tradicional trabalha com “sim” ou “não”, sistemas fuzzy admitem graus intermediários de verdade, representados por valores contínuos entre 0 e 1. No pensamento humano, muitas declarações não são estritamente verdadeiras ou falsas, mas pertencem a um espectro.
Por outro lado, ao analisarmos a evolução do pensamento humano e seus reflexos na sociedade, percebemos um movimento paradoxal. Embora a tecnologia esteja se tornando mais sofisticada e adaptável, o comportamento humano tem se aproximado de uma lógica binária. A crescente polarização social é um exemplo disso. Vivemos em uma sociedade que cada vez mais necessita da dualidade e da oposição extrema, eliminando nuances e complexidades. Esse fenômeno empobrece o debate e reduz questões complexas a escolhas excludentes e inflexíveis.
Em Discurso da Servidão Voluntária, Étienne de La Boétie (1530–1563), apesar de não ter tido contato com sistemas binários, fornece insights sobre como sociedades polarizadas são manipuladas por esse tipo de pensamento. Ele argumenta que a polarização é uma ferramenta de dominação, criando a ilusão de liberdade enquanto divide a população e impede uma reflexão mais profunda.
Se, por um lado, os avanços tecnológicos caminham na direção de uma lógica mais complexa e próxima do raciocínio humano, por outro, assistimos a um retrocesso no pensamento social e político, que parece estar se tornando tão primitivo quanto os primeiros computadores. A incapacidade de lidar com contradições e ambiguidades, a necessidade de classificar tudo em “nós contra eles” e a redução de debates complexos a slogans fáceis são sintomas dessa regressão.
Enquanto as máquinas avançam em sofisticação, nossa sociedade parece se render à simplificação excessiva. O pensamento crítico, a abertura para nuances e a aceitação da complexidade são fundamentais para que não nos tornemos, ironicamente, mais limitados do que as próprias máquinas que criamos.
Kurth Correa Waldhelm
Mestre em Matemática