Mídia e Entretenimento (Outubro/2023)

Mais de setenta anos já se passaram desde que Max Horkheimer e Theodor Adorno escreveram sobre a Indústria Cultural e nunca foi tão atual as suas posições relativas a essa nova fase do capitalismo e do nosso mundo como um todo. A tese de 1947, dizia que as transformações das obras de arte e do espírito criativo em produção em série criou mercadorias, mudou a face do sistema econômico e nos fez consumidores de todo tipo de bem cultural, como filmes, séries, álbuns musicais, podcasts e variadas outras formas de mídia. 

Ambos os autores notaram que o consumo de arte já em sua época já estava bem diferente do que existia anteriormente. Eles perceberam que o homem não conseguiria reter sua atenção por muito tempo, trocando as faixas musicais e passando para novos livros rapidamente. Os bens que antes eram considerados “sagrados” pelos eruditos e artistas, agora eram consumidos rapidamente como qualquer outra mercadoria. O problema mais profundo desse consumo era a falsa sensação de escolha, já que o consumidor seria teoricamente livre para escolher, mas todos os bens são praticamente a mesma coisa. 

Para estimular o consumo das mídias e do entretenimento, as grandes empresas investem massivamente em publicidade e propaganda, investindo boa parte dos seus lucros em criar novas demandas e aguçar o desejo de consumo pelas novas mídias que nos livra do tédio e faz “o tempo passar”. Sem a propaganda, muitos de nossos desejos não existiriam e boa parte do nosso consumo seria reduzido. Publicidade e propaganda, nesse caso, também são elementos da indústria cultural, porque unem psicologia e arte em suas obras para fins de consumo gerando a falsa ilusão de liberdade de escolha. 

Ou seja, toda a produção de entretenimento pelas grandes mídias visam se unir à propaganda e se adaptar ao seu estilo de linguagem e a sua própria demanda. Produtores de conteúdo são reféns da publicidade e devem criar, através de sua própria técnica, seus produtos de acordo com os critérios mercadológicos. Como a mercadoria era considerada a categoria mais atômica do capitalismo, porque tudo girava em torno da sua produção, distribuição, circulação e consumo, a arte era a última fronteira de criatividade livre, de expansão do pensamento, de produção íntima. Mas agora, transformada em mercado, em produto, esse último sinal de humanidade teria sido obliterado pela força da economia e pelo desejo desmedido pelo lucro. 

Depois dessa transformação, os artistas independentes e livres foram substituídos por trabalhadores assalariados que vendem seus talentos em troca de um valor. Ou seja, ao invés de criar seus próprios personagens, com enredos próprios, com personalidades únicas, os artistas devem criar, projetar e desenvolver suas habilidades em personagens e enredos de acordo com as grandes empresas de mídia e, atualmente, os serviços de streaming. Ao invés de mostrar toda a sua criatividade, os artistas têm a função de prender a atenção do espectador ao máximo possível, em maratonas de suas séries, filmes e podcasts.  

O grande problema nos produtos culturais de consumo rápido é que a obra já vem numa espécie de “pacote” no qual é consumida e facilmente descartada. Um filme para consumo rápido é logo esquecido e uma música para a audição das massas logo será substituída e terá a ação do tempo. Adorno já naquela época demonstrava que os produtos da indústria cultural eram “pré-digeridos” antes de serem entregues as massas. 

Dentro desse contexto surgiu uma espécie de nova sociedade, construída dentro das bases que chamamos de “capitalismo tardio”, cheio de inovações tecnológicas, fluxo ininterrupto de mercadorias, aumento da velocidade de consumo e coisificação de todos os bens da natureza, inclusive os próprios seres humanos.  Essa sociedade não entende como valor os artistas livres, os eruditos, os homens de cultura, o debate filosófico, estético, literário e artístico, mas o seu termômetro está em quantos dólares uma obra cultural é capaz de lucrar em algum mercado específico. 

Os efeitos desse contexto complexo sobre os seres humanos são, num primeiro momento, catastróficos. Houve uma espécie de apatia política porque as populações estão alienadas com tanta informação e entretenimento. Não há tempo para viver os momentos de ócio, não há tempo para se distrair fora da televisão ou do computador. Estamos sempre consumindo algum objeto de entretenimento e ficamos satisfeitos, sem margens para o engajamento político, a vida em sociedade e as tarefas coletivas de ser um cidadão. Estamos, portanto, presos num ciclo vicioso de trabalho e consumo. 

Existem dois caminhos que levam à resistência humana nesse processo, ambos simples, porém de difícil execução dentro desse ambiente cheio de produtos tecnológicos que demandam a atenção. O primeiro caminho que leva a libertação da indústria cultural é o uso dela para a educação de massas, através de bons produtos que entregam bons valores sociais. O segundo caminho é o voltar-se para os momentos que nos tornam humanos: mais tempo com a família, passeios ao ar livre, e a atenção voltada às pessoas ao invés das coisas. 

Por Mateus Barradas, Professor de História