Os Brasis da literatura nacional (Agosto/2023)
Certamente, em algum momento da vida acadêmica, você precisou ler um clássico da literatura brasileira, ou seja, uma “obra que se mantém ao longo dos tempos, que se tornou um modelo de inspiração, que pela sua qualidade obteve consagração definitiva” (Fátima Mesquita). Em 2021, eu também precisei e li Iracema, de José de Alencar.
Na obra, habituada no Brasil do século XVII, Iracema é uma linda índia tabajara que se apaixona por Martim, um colonizador português. Simplificando a história, ela abandona sua tribo para “correr atrás do boy” e tem um filho com ele: o Moacir. Depois do sufoco, ela morre. Quando eu terminei o livro, estava indignada. Como ela poderia morrer depois do que enfrentou? Foi aí que parei para pensar além do que li, tentando entender o que Alencar deixou subentendido. Para início de conversa, Moacir significa “filho do sofrimento”. Com isso, pude concluir que Iracema é sobre a formação do povo brasileiro. Nós somos Moacir, frutos da relação entre indígenas e colonizadores, marcada por exploração, violência, domínio e aculturação.
Dessa forma, Iracema foi o primeiro clássico que li da literatura brasileira. A partir dele, cresceu uma sede em mim de ler e conhecer mais sobre os Brasis que grandes autores brasileiros queriam nos mostrar, em suas diferentes épocas, realidades e linguagens.
Nessa busca, eu encontrei Torto Arado, de Itamar Viera Júnior (2019). Essa história acontece no sertão baiano, numa época incerta, visto que os temas abordados são atemporais e se encaixam no Brasil colonial até o atual (Itamar fez isso de propósito). Sendo assim, através da relação entre as irmãs Bibiana e Belonísia, Itamar monta um plano de fundo que mostra o Brasil em seu cerne, cercado pela escravidão, racismo, preconceito religioso, violência doméstica, miséria e desigualdade social com seus resquícios até os dias atuais. Diante da constatação sobre a nossa triste realidade não tão diferente do passado, após duas leituras de Torto Arado, ainda me emociono ao terminar essa obra-prima.
Próxima obra: Capitães da Areia, de Jorge Amado, que traz a vida urbana de Salvador em 1937. Centenas de meninos abandonados pelo Estado e pela sociedade vivem como homens marginais furtando e trapaceando pelas ruas da Bahia. Para muito além da criminalidade, Jorge apresenta o leitor à dura trajetória de cada menino até chegar aquele estado, tentando escapar da fome, do frio, do medo e da violência imposta a cada um desde muito cedo. Não são apenas jovens delinquentes, são crianças sobrevivendo num sistema desigual que desfavorece os pobres e impõe sobre eles condições traumáticas de violência e solidão. São vítimas de agressão, racismo e estupro, fazendo com que, ainda na adolescência, descubram um país cruel e fomentem ainda mais esse ódio pela sociedade. Dessa maneira, Jorge Amado apresenta o Brasil negligenciado de abandono e descaso social com os meninos de rua, culpando todos que se omitem perante a situação sem realmente ajudá-los ou entendê-los.
Por último, um livro ainda mais urbano: O Cortiço, de Aluísio Azevedo. Ambientado no Rio de Janeiro do século XIX, a obra é um clássico do Naturalismo, isto é, explora no ser humano o seu lado primitivo, animal, intuitivo e – principalmente no cortiço – coletivo. Na trama, os personagens são guiados pela ganância, desejo, inveja e vícios. Nessa época de crescimento populacional, as pessoas não tinham condições financeiras para viverem no centro do Rio, então as habitações coletivas eram a melhor opção. Pensando nisso, João Romão constrói, junto da amiga Bertoleza, um enorme cortiço. Cada casinha agrupava uma família, com suas particularidades e problemas. No geral, eram trabalhadores buscando ganhar a vida no Rio de Janeiro, mas sem abandonarem os prazeres, casos, fofocas, contradições e confusões. Logo, vi a trama como um “experimento social”. O grupo que vive no cortiço é uma pequena representação de toda a população. Nesse sentido, Aluísio apresenta ao leitor a diversidade brasileira, os anseios que predominam e como os moradores (tão diferentes e com condutas tão divergentes) convivem num espaço comum. Espaço esse que ganha vida através da movimentação dos habitantes, mas também influencia no comportamento deles (como o caso do português Jerônimo, que “abrasileirou-se“ no cortiço).
Portanto, nessa busca pelos Brasis, cada um desses livros acrescentou em mim uma nova perspectiva acerca do nosso povo e a da sua formação. Essa experiência tem sido fascinante e eu realmente espero ter te convencido a ler algum livro, clássico ou não, que também propicie a você conhecer os Brasis da literatura nacional.
Por Maria Eduarda Venancio da Silva Menezes, Aluna do 3° ano do Ensino Médio