Tempo verde: renascimento e reflexão (Outubro/2022)

Tempo verde que chega mansamente adornado por orquídeas, frésias e girassóis, porém agosto se despede levando as flores dos ipês amarelos e das cerejeiras. O contraste das idas e vindas. Das folhas que caem e da brotação que recomeça. Dos começos e fins.

É hora de iniciar um inventário pessoal do tipo que ultrapasse decisões precipitadas e seja capaz de promover uma verdadeira reforma íntima. Um olhar intimista para dentro de você mesmo, reconhecendo que por vezes não damos conta desse imenso tsunami que é viver, mas está tudo bem. Não estamos sós na tarefa de viver. É necessário refletir sobre os momentos que a correria do dia a dia nos fez cegos diante da serendipidade que a vida nos presenteia.

Serendipidade é uma palavra forte. Ela se refere às descobertas afortunadas feitas, aparentemente, por acaso, mas que fornecem uma lapidação ao olhar, uma pausa reflexiva que nos resgata e reinicia.

Minha pausa reflexiva aconteceu há alguns anos. Era cedo. Como em todos os dias que cruzei aquele caminho. Parecia tudo exatamente igual, inclusive minha caminhada pela rua deserta. Seguia com meus pensamentos rotineiros, organizando mentalmente o dia de trabalho que viria.

Ao cruzar a esquina, uma mulher literalmente salta a minha frente. Olhos confusos e solitários…Ouvi sua voz que dizia: seja meu espelho…seja meu espelho…Parei e encarei seus olhos perdidos. Ela passa um batom imaginário em lábios sofridos, alinha os cabelos, olhando em meu rosto e prepara-se para o dia.

Ela segue seu caminho e eu sigo o meu. Até hoje, carrego comigo aquele olhar e me faço sempre a mesma pergunta: Em qual espelho ficou perdida aquela face?

Esse episódio significa muito. Trata de uma invisibilidade que não é um superpoder.  Invisibilidade social é um conceito que se trata de pessoas que são invisíveis socialmente, seja por indiferença ou por preconceito estrutural. Pessoas que estão à margem da sociedade como moradores de ruas que, quando ignorados, compõe apenas como mais uma peça da paisagem urbana.

A Encíclica Laudato Si’ ,em seu capítulo 4, aborda a questão da Ecologia Integral que afirma que os humanos são parte de um mundo mais amplo e exige “soluções integrais que considerem as interações dos sistemas naturais entre si e com os sistemas sociais” (LS 139). A ecologia integral expande esse paradigma para incluir as dimensões éticas e espirituais de como os seres humanos devem se relacionar uns com os outros e com o mundo natural levando em conta abordagens na cultura, família, comunidade, virtude, religião e respeito pelo bem comum.

São necessárias amplas reflexões a fim de repensar urgentemente o modelo de desenvolvimento contínuo, ilimitado e dificilmente renovado com o elemento da ecologia integral. Modelo esse que muito pouco significa para os mais necessitados e excluídos.

Nos faz refletir Edgar Morin “a consciência ecológica levanta-nos um problema duma profundidade e duma vastidão extraordinárias. Tempos de defrontar ao mesmo tempo o problema da Vida no planeta Terra, o problema da sociedade moderna e o problema do destino do Homem. Isto nos obriga a repor em questão a própria orientação da civilização ocidental. Na aurora do terceiro milênio, é preciso compreender que revolucionar, desenvolver, inventar, sobreviver, morrer, anda tudo inseparavelmente ligado.”

O olhar da sociedade precisa ser redirecionado a fim de entender uma incontestável verdade para que exista justiça ambiental, há que se ter justiça social para que as faces dos excluídos e marginalizados possam se encontrar no próprio espelho que lhes pertence: o espelho de uma sociedade justa, participativa, sustentável e pacífica, cuidando da Vida em toda a sua diversidade.

O desenvolvimento humano não se trata unicamente de TER mais, senão também de SER mais.

Que o Tempo Verde do renascimento e do esperançar chegue para todos, pois tudo está interligado.

Por Elaine Guaralde, Coordenadora de Cidadania Global