Dentre as coisas que a Inteligência Artificial (IA) não pode responder, está a profundidade do ser humano (Novembro/2024)

Os avanços na Inteligência Artificial (IA) e suas múltiplas possibilidades de uso nos trouxeram transformações em diversas áreas de nossas vidas, vivências e relações interpessoais. Nesse sentido, ao analisarmos os impactos da IA na maneira como nos colocamos hoje no mundo, perceberemos o quanto seguimos, dia após dia, sendo transformados por essa “nova” (nem tão nova assim) forma de viver. No entanto, somos seres em constante mudança, constituídos a partir de afetos, confrontos com realidades diversas e memórias significativas; somos marcados por tudo isso, cada um com sua singularidade, mesmo diante das mesmas realidades. Essa dinâmica é o que nos faz seres únicos e, paradoxalmente, vulneráveis.

Embora a IA seja uma ferramenta capaz de processar informações e fornecer respostas rápidas para a maioria das perguntas, ela opera em uma esfera superficial e impessoal. Isso pode nos confortar ou assustar, dependendo do ponto de vista e do cuidado que temos em relação a ela. Muito eficaz em usar algoritmos e dados para capturar informações, a IA não consegue captar a complexidade de nossas emoções, formações e relações humanas. As angústias que nos habitam, a ansiedade de uma vida corrida e um vazio existencial que parece sem explicação não podem ser acessados ou respondidos por ela. Existem questões que dependem da presença, da escuta atenta de alguém sensível e da troca de afeto com quem amamos (isso pode até ser virtual, mas não substituído). Assim, a tecnologia ocupa hoje um lugar importante na maneira como levamos nossas vidas, mas é uma ferramenta e não pode substituir as relações afetivas e memórias que nos constituem como seres pensantes e vivos.

No contexto do desenvolvimento educacional, por exemplo, embora a IA traga aprendizados significativos, é a vivência e a relação com o professor que tornam o conhecimento verdadeiramente internalizado. A prática de ensinar (e aprender) vai muito além da mera transmissão de conhecimentos e informações; é uma troca constante de experiências que envolve contexto, empatia, sensibilidade e afeto. A presença do professor, repleta de vivências, sua maneira de olhar e perceber o aluno, sua sensibilidade e atenção às expressões e perguntas na sala de aula são aspectos que um sistema automatizado e programado não consegue considerar. Uma aprendizagem significativa e profunda ocorre quando os alunos se sentem acolhidos e motivados a explorar o conhecimento.

Além disso, a crescente dependência da tecnologia pode nos levar a um estado de alienação. A redução de nossas experiências a padrões e algoritmos pode criar uma sensação de vazio, afastando-nos do que realmente nos torna humanos. Em um mundo tão conectado, instantâneo e pragmático, corremos o risco de nos desconectar de nós mesmos e de nossas emoções mais profundas, especialmente daquilo que permeia nosso coração. A busca incessante por validação e respostas imediatas nos distancia da reflexão interna e da autocompreensão, pilares essenciais para nosso bem-estar emocional.

Portanto, o uso benéfico da IA deve ser aquele que, embora facilite aspectos da vida, nunca substitua o que temos de mais precioso: nossa capacidade de sentir, amar e conectar-nos com os outros. Trata-se de um desafio constante encontrar um equilíbrio que nos permita utilizar a tecnologia sem perder de vista nossa humanidade e sem anular o que somos enquanto seres humanos, cheios de vida e mutações.

Por fim, pensar nos impactos que a Inteligência Artificial tem sobre nós nos convida a refletir sobre a importância das experiências afetivas e significativas em nossa formação. Fazer uso da IA para avanços científicos, melhoria na identificação de doenças e curas dentro da medicina, por exemplo, é um dos benefícios que temos com essa infinidade de ferramentas tecnológicas, e devemos, sim, nos valer disso. Contudo, reconhecer que somos seres emocionais e que nossas crises mais profundas demandam uma escuta atenta e pessoal é fundamental para que possamos navegar neste mundo tecnológico sem perder de vista a essência do que nos torna humanos.

A verdadeira relação de cuidado e autoconhecimento ocorre não apenas na aquisição de informações e conhecimentos pragmáticos, quando nos propomos, por exemplo, a perguntar em rede sobre a dor que sentimos no estômago (o que significa?), ou sobre a alteração que apareceu no exame e que vamos investigar para buscar um diagnóstico, mas principalmente nas vivências cotidianas, na relação de cuidado que temos com corpo e mente, e no quanto nossas atitudes diárias podem, inclusive, ter interferido no resultado do exame que nos levou a buscar informação em rede. A saúde e o cuidado se constroem a partir daí, da relação pessoal e coletiva que nos permite transcender o vazio e encontrar sentido verdadeiro em nossas experiências.

Por Karen Arrudas de Castro – Psicóloga (CRP: 05/50262) e Orientadora Educacional do Colégio Anchieta